A gargalhada gostosa de uma criança escutada ao fundo. O jeito de andar altivo daquela mulher elegante. O refrão de uma música ou uma frase escutada que insiste em não sair da cabeça. São dessas pequenas coisas que partem a maioria dos textos aqui publicados. Pequenas coisas que acontecem todo dia à todo momento. Comigo, não necessariamente comigo, com você e com qualquer outra pessoa que se arrisque no perigoso movimento de respirar. Um movimento simples e corriqueiro, tal qual lavar roupa no final de semana.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Texto à ferro e cachaça


            Então é isso. Agora eu vou ficar aqui bebendo porque eu não sei se eu sou mais santa ou se eu sou mais puta, se eu sou mais eu ou se sou qualquer outra coisa. Se eu sou sim o que eu queria ser ou o que todo mundo no fundo esperava que eu fosse. Acontece que eu só sei escrever assim, é só assim que minhas letras acontecem. É só assim que consigo não fazer disto um momento vão entre o que penso o que sinto e o que escrevo. Falando muito sério: vocês realmente pensam que me admito enquanto frustrado? Acho que não. É por isso que não o faço.
Mas desde sempre isso tende a não dizer absolutamente nada. São apenas chamas mal rabiscadas, letras em papel mal tingido escritas de forma descompassante por um estranho que a grande maioria não faz questão alguma em conhecer. Nem eu consigo defini-los. Acharia melhor parar com isso. Mas acontece do cigarro ser bom. Ele é um bom amigo. Ele me faz querer continuar com tudo enquanto ele ainda existe. Encontramo-nos e acontece de não querer escrever e parar. É só por causa dele que eu continuo.
Na verdade, eu acho que é só isso. Eu só precisava de um cigarro solitário. Porque me mostra só como eu sou. Implicando num eu explodindo. Acho que até me amei depois de um cigarro solitário. Eu não preciso de muito além disso. É só o que eu preciso, é só o que eu quero.
Exato. Isso dói, isso agride, isso fere; não há muito além daquilo que todos já conhecem. Mas houve um tempo em que “eu acreditava que escrever era um prazer”.



*Sem sentido, só porque promessa é dívida.


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Ainda bem que eu já fiz melhores amigos


    Na verdade, este texto poderia muito bem se chamar “De como eu estou ficando velha, ranzinza e sem saco”, mas acontece que ficaria muito extenso para um título e eu estou meio sem saco para grandes coisas. Hoje estou preferindo muito mais a pequeneza dos curtos, efêmeros e bons momentos entre amigos, realizando pequenos programas com um pequeno número de pessoas, em locais pequenos onde eu possa falar em tom baixo todas as minhas loucuras amplamente conhecidas por meus melhores amigos (que não são de pouca data).
Na verdade, este texto também foi pensado para ser escrito em tom geral, preferencialmente na terceira pessoa, mas acontece que eu também ando meio sem saco para inventar outras pessoas, então escrevo como eu mesma. Escrevo para falar um pouco de como eu sinto que estou me tornando agora. E, sinceramente, não sei como as pessoas me aguentam. Afinal, estou fazendo o que eu quero (e isto é uma experiência surpreendente, arriscada e fantástica!).
     Sim, eu estou ficando velha e acho isso muito bom. Existe um ditado que fala sobre a liberdade dos que tem muita idade. Eu ainda não tenho um quarto de século e já me sinto um pouco como uma anciã, cansada demais para não se deixar ser livre. Estou cada vez mais desbocada, mais abusada, sem-noção e ranzinza. Estou cada vez mais 8 ou 80, cada vez mais impulsiva (os gregos falavam sobre a virtude da mediana, que isto seria o segredo para o bom viver, mas não sei não, acho que virtude nunca foi o meu forte). E o pior, ou melhor, de tudo isso é que eu não tenho vontade alguma em parar de ser assim. Não consigo mais tolerar a falsidade, hipocrisia, joguinhos mesquinhos de poder e sedução, adolescentes, discursos vazios de conteúdo e imagens vazias de discurso. Sim, podem me chamar de velha, mas hoje tudo parece tedioso, sempre mais do mesmo, sempre repetido, sempre enfadonhamente igual.
     Falando sobre música, eu até gosto dos ares das novidades “alternativas”, mas mesmo estas, após algum tempo, não parecem nada mais que uma simples recolocação de tudo o que já foi feito antes em uma prateleira com etiqueta de “XXI”. Enche o saco depois de um certo tempo escutando.
     Não tenho mais saco para grandes defesas ideológicas. Não consigo defender nada à ferro e fogo, simplesmente porque não sei se existe algo que mereça isso. Todas as ideologias são falhas por princípio, então eu simplesmente me resigno a defender a minha nos momentos que achar que devo. Ou então não. Não defendo nada e deixo algum idiota por aí à solta falando idiotices à queima-roupa, porque estou sem saco para falar com idiotas. Pois, invariavelmente, isto leva a uma sinceridade ácida de minha parte, que leva a palavrões e elevação no tom de voz da outra parte, que me leva a fazer o mesmo; tudo isso é um grande dispêndio de energia. E eu já não tenho tanta energia assim para ficar desperdiçando.
Não tenho mais saco para grandiosas empreitadas e reviravoltas mirabolantes. Estou valorizando bem mais o trabalho contínuo e cuidadoso do cotidiano, da rotina, da disciplina, como na montagem de um quebra-cabeças, estou começando a conhecer seus frutos e percebo que eles são mais doces e maduros. Vale à pena não arrancá-los do pé antes da hora. Sintomas da velhice? Não aguento mais ficar até de manhã na balada. Fico de ressaca uns dois dias seguidos se exagero na bebida e só falto morrer no dia seguinte. Isso faz com que me controle para beber menos (tentar, pelo menos). Estou gostando cada vez mais de ficar em casa e com preguiça de sair.
     Ando sem saco para toda essa trama nova de conhecer pessoas e ter que se acostumar com elas (coisa que eu estou tendo de fazer já que boa parte dos meus “agarráveis” está distante. Estou tendo de me agarrar em mim).E mesmo quando encontro pessoas legais e afinidades, ando sem saco para fazer amizades, ando sem saco para investir em novas relações. Todas as pessoas que eu não conheço me parecem tão iguais! Aí você diz: “Claro, você não às conhece!”. Porém, não estou falando de simplesmente ver, mas de ter um contato inicial, umas conversas. Não estou com paciência para conversar coisas que já não tenha conversado com pessoas que não conheço e para as quais eu tenha de me explicar. Eu odeio me explicar.
     Mas... um momento, antes que você pense que eu esteja “semi-depressiva” (não que eu descarte totalmente esta hipótese), vale a ressalva de que tudo isto é muito bom. É verdade, acredite. Pois todas estas negações vão no sentido de uma afirmação que é maior, a minha afirmação. Tá, aí essa é a hora em que você diz: “Fala sério! Eu pensei que você estivesse ficando velha e você vem e me diz que tá na fase da auto-afirmação?!”. Tudo bem, eu concordo com a objeção. Mas acontece que é algo de um tipo diferente, uma afirmação tácita. Sem gritos, sem alarde, que não tem certezas absolutas e nem quer “provar pra todo mundo”. Apenas decidi chutar o balde cheio de coisas que não mais quero e que já não me pertencem. Não se trata mais de enfrentar de peito aberto o que me desagrada, mas de desviar o caminho e procurar me ocupar de estratégias criativas na direção daquilo que realmente possa valer o esforço da minha energia declinante. Não é o tipo de atitude “o mundo que se foda”, mas “se o mundo me foder que eu pelo menos me foda feliz”. Porque, sim, embora possa até não parecer, acontece que este é um texto feliz.
     A parte engraçada é que isto ocorre de um jeito bem meu, bem próprio. Algo como a seguinte cena: uma pessoa de uma hierarquia supostamente superior à minha me fala aos berros coisas que eu não tenho obrigação alguma de escutar; eu, em contrapartida, digo-lhe muito calmamente e articulando muito bem as palavras para que não reste dúvida: “Vai-te-fo-der-três-mil-ve-zes”. Pronto: simples, rápido e indolor. A pessoa se cala sem saber o que responder e, o principal, eu não discuti. No final das contas, a grande questão é: eu não consigo mais me esforçar para agradar quem quer que seja_ Deve ser por isso também que faz tempo que eu não pego ninguém, mas deixa pra lá, estas são outras questões. Atualmente, estou na seguinte linha: se gostarem de mim, ótimo; se não gostarem, ótimo também. Certo, nesse momento você retruca: “Mas desse jeito você vai ficar sozinha, você está se isolando do mundo”. Paciência, eu não tenho mais saco para fingir ser o que eu não sou. E não faço mais questão de ser repleta de amigos, estes eu gosto de manter poucos e bons. Por isso, dane-se, eu não escrevi este texto para você.
     Onde tudo isso vai me levar? Resposta: Eu não faço a menor ideia! Talvez eu acabe me dando muito mal, sinceramente, acho bem provável que isso aconteça. Ou não, vai saber. Só sei que estou gostando muito de estar assim. E só escrevi esse texto porque sei que assim: velha, ranzinza e sem saco; somente os meus melhores amigos me aturariam.

*P.S.: Segue musiquinha com temática relacionada para acompanhar(esta sim, explicitamente feliz!).