A gargalhada gostosa de uma criança escutada ao fundo. O jeito de andar altivo daquela mulher elegante. O refrão de uma música ou uma frase escutada que insiste em não sair da cabeça. São dessas pequenas coisas que partem a maioria dos textos aqui publicados. Pequenas coisas que acontecem todo dia à todo momento. Comigo, não necessariamente comigo, com você e com qualquer outra pessoa que se arrisque no perigoso movimento de respirar. Um movimento simples e corriqueiro, tal qual lavar roupa no final de semana.
Então é isso. Agora eu vou ficar aqui bebendo porque eu
não sei se eu sou mais santa ou se eu sou mais puta, se eu sou mais eu ou se
sou qualquer outra coisa. Se eu sou sim o que eu queria ser ou o que todo mundo
no fundo esperava que eu fosse. Acontece que eu só sei escrever assim, é só
assim que minhas letras acontecem. É só assim que consigo não fazer disto um
momento vão entre o que penso o que sinto e o que escrevo. Falando muito sério:
vocês realmente pensam que me admito enquanto frustrado? Acho que não. É por
isso que não o faço.
Mas
desde sempre isso tende a não dizer absolutamente nada. São apenas chamas mal
rabiscadas, letras em papel mal tingido escritas de forma descompassante por um
estranho que a grande maioria não faz questão alguma em conhecer. Nem eu
consigo defini-los. Acharia melhor parar com isso. Mas acontece do cigarro ser
bom. Ele é um bom amigo. Ele me faz querer continuar com tudo enquanto ele
ainda existe. Encontramo-nos e acontece de não querer escrever e parar. É só
por causa dele que eu continuo.
Na
verdade, eu acho que é só isso. Eu só precisava de um cigarro solitário. Porque
me mostra só como eu sou. Implicando num eu explodindo. Acho que até me amei
depois de um cigarro solitário. Eu não preciso de muito além disso. É só o que
eu preciso, é só o que eu quero.
Exato.
Isso dói, isso agride, isso fere; não há muito além daquilo que todos já
conhecem. Mas houve um tempo em que “eu acreditava que escrever era um prazer”.
Na verdade, este texto poderia
muito bem se chamar “De como eu estou ficando velha, ranzinza e sem saco”, mas
acontece que ficaria muito extenso para um título e eu estou meio sem saco para
grandes coisas. Hoje estou preferindo muito mais a pequeneza dos curtos,
efêmeros e bons momentos entre amigos, realizando pequenos programas com um
pequeno número de pessoas, em locais pequenos onde eu possa falar em tom baixo
todas as minhas loucuras amplamente conhecidas por meus melhores amigos (que
não são de pouca data).
Na verdade,
este texto também foi pensado para ser escrito em tom geral, preferencialmente
na terceira pessoa, mas acontece que eu também ando meio sem saco para inventar
outras pessoas, então escrevo como eu mesma. Escrevo para falar um pouco de
como eu sinto que estou me tornando agora. E, sinceramente, não sei como as
pessoas me aguentam. Afinal, estou fazendo o que eu quero (e isto é uma
experiência surpreendente, arriscada e fantástica!).
Sim,
eu estou ficando velha e acho isso muito bom. Existe um ditado que fala sobre a
liberdade dos que tem muita idade. Eu ainda não tenho um quarto de século e já
me sinto um pouco como uma anciã, cansada demais para não se deixar ser livre.
Estou cada vez mais desbocada, mais abusada, sem-noção e ranzinza. Estou cada
vez mais 8 ou 80, cada vez mais impulsiva (os gregos falavam sobre a virtude da
mediana, que isto seria o segredo para o bom viver, mas não sei não, acho que
virtude nunca foi o meu forte). E o pior, ou melhor, de tudo isso é que eu não
tenho vontade alguma em parar de ser assim. Não consigo mais tolerar a
falsidade, hipocrisia, joguinhos mesquinhos de poder e sedução, adolescentes,
discursos vazios de conteúdo e imagens vazias de discurso. Sim, podem me chamar
de velha, mas hoje tudo parece tedioso, sempre mais do mesmo, sempre repetido,
sempre enfadonhamente igual.
Falando
sobre música, eu até gosto dos ares das novidades “alternativas”, mas mesmo
estas, após algum tempo, não parecem nada mais que uma simples recolocação de
tudo o que já foi feito antes em uma prateleira com etiqueta de “XXI”. Enche o
saco depois de um certo tempo escutando.
Não
tenho mais saco para grandes defesas ideológicas. Não consigo defender nada à
ferro e fogo, simplesmente porque não sei se existe algo que mereça isso. Todas
as ideologias são falhas por princípio, então eu simplesmente me resigno a
defender a minha nos momentos que achar que devo. Ou então não. Não defendo nada
e deixo algum idiota por aí à solta falando idiotices à queima-roupa, porque
estou sem saco para falar com idiotas. Pois, invariavelmente, isto leva a uma
sinceridade ácida de minha parte, que leva a palavrões e elevação no tom de voz
da outra parte, que me leva a fazer o mesmo; tudo isso é um grande dispêndio de
energia. E eu já não tenho tanta energia assim para ficar desperdiçando.
Não tenho
mais saco para grandiosas empreitadas e reviravoltas mirabolantes. Estou
valorizando bem mais o trabalho contínuo e cuidadoso do cotidiano, da rotina,
da disciplina, como na montagem de um quebra-cabeças, estou começando a
conhecer seus frutos e percebo que eles são mais doces e maduros. Vale à pena
não arrancá-los do pé antes da hora. Sintomas da velhice? Não aguento mais
ficar até de manhã na balada. Fico de ressaca uns dois dias seguidos se exagero
na bebida e só falto morrer no dia seguinte. Isso faz com que me controle para
beber menos (tentar, pelo menos). Estou gostando cada vez mais de ficar em casa
e com preguiça de sair.
Ando
sem saco para toda essa trama nova de conhecer pessoas e ter que se acostumar
com elas (coisa que eu estou tendo de fazer já que boa parte dos meus
“agarráveis” está distante. Estou tendo de me agarrar em mim).E mesmo quando encontro
pessoas legais e afinidades, ando sem saco para fazer amizades, ando sem saco
para investir em novas relações. Todas as pessoas que eu não conheço me parecem
tão iguais! Aí você diz: “Claro, você não às conhece!”. Porém, não estou
falando de simplesmente ver, mas de
ter um contato inicial, umas conversas. Não estou com paciência para conversar
coisas que já não tenha conversado com pessoas que não conheço e para as quais
eu tenha de me explicar. Eu odeio me explicar.
Mas...
um momento, antes que você pense que eu esteja “semi-depressiva” (não que eu
descarte totalmente esta hipótese), vale a ressalva de que tudo isto é muito
bom. É verdade, acredite. Pois todas estas negações vão no sentido de uma
afirmação que é maior, a minha afirmação. Tá, aí essa é a hora em que você diz:
“Fala sério! Eu pensei que você estivesse ficando velha e você vem e me diz que
tá na fase da auto-afirmação?!”. Tudo bem, eu concordo com a objeção. Mas
acontece que é algo de um tipo diferente, uma afirmação tácita. Sem gritos, sem
alarde, que não tem certezas absolutas e nem quer “provar pra todo mundo”.
Apenas decidi chutar o balde cheio de coisas que não mais quero e que já não me
pertencem. Não se trata mais de enfrentar de peito aberto o que me desagrada,
mas de desviar o caminho e procurar me ocupar de estratégias criativas na
direção daquilo que realmente possa valer o esforço da minha energia
declinante.Não é o tipo de atitude “o mundo que
se foda”, mas “se o mundo me foder que eu pelo menos me foda feliz”. Porque,
sim, embora possa até não parecer, acontece que este é um texto feliz.
A
parte engraçada é que isto ocorre de um jeito bem meu, bem próprio. Algo como a
seguinte cena: uma pessoa de uma hierarquia supostamente superior à minha me
fala aos berros coisas que eu não tenho obrigação alguma de escutar; eu, em
contrapartida, digo-lhe muito calmamente e articulando muito bem as palavras
para que não reste dúvida: “Vai-te-fo-der-três-mil-ve-zes”. Pronto: simples,
rápido e indolor. A pessoa se cala sem saber o que responder e, o principal, eu
não discuti. No final das contas, a grande questão é: eu não consigo mais me
esforçar para agradar quem quer que seja_ Deve ser por isso também que faz
tempo que eu não pego ninguém, mas deixa pra lá, estas são outras questões.
Atualmente, estou na seguinte linha: se gostarem de mim, ótimo; se não gostarem,
ótimo também. Certo, nesse momento você retruca: “Mas desse jeito você vai
ficar sozinha, você está se isolando do mundo”. Paciência, eu não tenho mais
saco para fingir ser o que eu não sou. E não faço mais questão de ser repleta
de amigos, estes eu gosto de manter poucos e bons. Por isso, dane-se, eu não
escrevi este texto para você.
Onde
tudo isso vai me levar? Resposta: Eu não faço a menor ideia! Talvez eu acabe me
dando muito mal, sinceramente, acho bem provável que isso aconteça. Ou não, vai
saber. Só sei que estou gostando muito de estar assim. E só escrevi esse texto
porque sei que assim: velha, ranzinza e sem saco; somente os meus melhores
amigos me aturariam.
*P.S.: Segue musiquinha com temática relacionada para acompanhar(esta sim, explicitamente feliz!).