A gargalhada gostosa de uma criança escutada ao fundo. O jeito de andar altivo daquela mulher elegante. O refrão de uma música ou uma frase escutada que insiste em não sair da cabeça. São dessas pequenas coisas que partem a maioria dos textos aqui publicados. Pequenas coisas que acontecem todo dia à todo momento. Comigo, não necessariamente comigo, com você e com qualquer outra pessoa que se arrisque no perigoso movimento de respirar. Um movimento simples e corriqueiro, tal qual lavar roupa no final de semana.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Mantras #01


     “Preciso me ocupar das pessoas reais.” Preciso me ocupar delas, preencher-me de realidades. De pessoas reais com histórias reais, problemas reais, com sofrimentos e angústias. “Preciso me ocupar de pessoas reais”. De pessoas possíveis, de pessoas tangíveis, pessoas táteis, de pessoas palpáveis. Para às quais possa dar as mãos em segurança; pessoas de carne, osso, sorriso e serenidade. Preciso de perseverança.
     Este é um de meus ‘mantras’ mais antigos, que possui pontos muito específicos de surgimento e continuidade. Porém, ainda não aprendi totalmente com ele- pudera, eu sou extremamente suscetível-, por isto ele permanece, por isso ele é um mantra. É necessário fazê-lo ressoar incessante e incansavelmente, a fim de fazê-lo penetrar em minha carne em algum momento futuro. Mas enquanto este não se acopla a mim e meus tecidos, é necessário que possa ressoar em meus pensamentos. Em todos os momentos e em todos os sentidos.
     Existe um principal benefício: manter-me alerta. Não como uma vigilância tensa e repreensiva, mas como uma vigilância pacífica e amigável que faz lembrar a mim mesma tudo o que já vivi e que, de certa forma, já sei. Contudo, ainda assim é preciso continuar tendo sempre em mente como um mantra: contínuo, ressoante, repetitivo; porém, leve, sábio e harmônico.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Um quarto e uma varanda


      Estava pensando sobre aquilo que preciso, sobre aquilo que eu realmente preciso se algum dia pensar em viver um pouco mais de tempo. Estava pensando... sobre aquilo que é o mínimo possível para que eu consiga seguir em frente e me manter em pé. Como acredito que a vida por si só já é complicada o suficiente para ficar complicando ainda mais; como tenho a constante preocupação e vigilância em ter em mente que eu não sou para sempre; e, além disto, como estas duas noções conjugadas me fazem descrer e desistir da lógica de acúmulo de bens capitalista, decidi pensar sobre o meu mínimo necessário. Não sei para daqui a quanto tempo este plano deve ser traçado, mas espero simplesmente daqui a algum tempo deitar a cabeça no travesseiro e ter a honradez de possuir ao menos isto.
     Poderia dizer que passei horas infindáveis de meus dias debruçada sobre esta problemática, mas, na verdade, não demorei mais que alguns singelos minutos para chegar a esta minimalista conclusão: eu só preciso de um quarto e uma varanda. Um quarto para ser somente meu, para ser eu e para ser só. E uma varanda para ser dos outros, para me expandir e para entrar em comunhão. Como um pêndulo eu me alternaria entre o fundo solitário dos lençóis de minha cama e o abraço esplêndido em direção ao céu, quase caindo na multidão.
     Pode parecer loucura unir dois extremos de maneira tão próxima assim, mas acaso eu afirmei em algum momento não ser louca? Esta “geografia sintética” seria a própria tradução da loucura imanente à vida. Acredito que não precisaria de nada além disso. Se quisesse me isolar por querer ficar á sós comigo ou por estar enraivecida com os outros, teria este meu quarto, este meu canto. Poderia fazer dele o que quisesse: enchê-lo de cacarecos e quinquilharias, de pessoas, de pensamentos, abarrotá-lo de poluição visual e sonora; ou esvaziá-lo de tudo, deixá-lo totalmente branco, totalmente insípido e casto.
     Em outros momentos, quando pensar fosse difícil e se manter firme fosse doloroso ao corpo, poderia simplesmente me deixar estar. Iria à varandinha olhar a avenida e ver que existem outros além de mim. Poderia me deixar ser contemplativo e estético, extraordinário e divino, cosmopolita e pagão. Acredito que seria reconfortante perceber não estar sozinho e passar alguns bons momentos “zen-pensamentos”. E, para quando me suportar fosse incrivelmente insuportável, sempre haveria o mundo. Sempre haveria uma infinidade de outros possíveis lugares e pessoas a descobrir.
     Retornando ao ponto de partida: se meus sonhos caírem, se minhas ilusões dissiparem-se, se minhas convicções transfigurarem; se após várias voltas não me restar nada disto, que possa ao menos manter nesta vida uma varanda e um quarto.
     


                  
*Foto-inspiração