A gargalhada gostosa de uma criança escutada ao fundo. O jeito de andar altivo daquela mulher elegante. O refrão de uma música ou uma frase escutada que insiste em não sair da cabeça. São dessas pequenas coisas que partem a maioria dos textos aqui publicados. Pequenas coisas que acontecem todo dia à todo momento. Comigo, não necessariamente comigo, com você e com qualquer outra pessoa que se arrisque no perigoso movimento de respirar. Um movimento simples e corriqueiro, tal qual lavar roupa no final de semana.
Sonho
com o dia no qual o mundo se extinguirá repentinamente; digo o chamado “mundo
virtual”. Cresce em meus devaneios imagens completamente apocalípticas de um
colapso informacional. Gostaria muito que o desejo de ter e saber tudo
implodisse o alcance da chamada era digital.
Este
dia aconteceria perto de algum dos grandes dias especiais, que inventaram para
marcar os sub-períodos especiais que temos em nosso calendário inventado. Que
tal o natal? Ou o ano novo? Já que 21/12/12 foi uma furada, quem sabe?
Logo
pela manhã, já acordaremos todos desbaratados, pois não saberemos as horas e
iremos perder os compromissos e prazos. Tudo porque os satélites artificiais
errarão as coordenadas e não saberão nos dizer a posição do sol e do eixo
magnético da terra.
Ao
sair de casa para o trabalho ou estudo, o trânsito estará mais louco que a
loucura habitual. Pois os semáforos estarão todos apagados e quem quiser passar
terá de conseguir consenso.
E
isto não será nada perto do pior. O mundo inteiro arrefecerá de medo diante da
sepulcral e trágica última notícia: aqui jaz o cyberespaço. Carmelitas
descalças chorarão até o fim dos “bites”; especuladores monetários arrancarão
todos os fios de cabelo implantado; indústrias irão cessar completamente; a
depressão tomará conta de todos que perderão seus mais de 500 amigos; não
haverá quem dite o que comer, vestir, falar, pensar.
Neste
dia, finalmente, o rei saberá que está nu. Todas as informações do mundo entrarão
em colapso. Nós descobriremos que no fundo somos sós. E será com profundo
terror e pesar que lamentaremos grandemente o fato de não termos informações em
tempo real sobre tudo o que acontece no interior da Conxinxina do Sul.
Se tu quiseres escrever um texto sobre um
tema qualquer, seja ele científico ou não, a primeira coisa que se exige não é
conhecimento nem imaginação, mas sim coragem.
Nada disso de fazer emboscadas, de só andar
em grupo ou pelos caminhos seguros. Nada de ficar esperando pacientemente pelas
palavras. Elas são sorrateiras, escorregadias, ardilosas. Cheias de diferentes
figuras e camuflagens, cheias de artifícios, armadilhas, artimanhas,
arapucas... ara! Palavra assim a gente vai e ataca!
Não tenhas pena, não. Pois é preciso ter
pulso. Puxar pela ponta da letra, arrancar pela raiz e atingir até as derivadas
se for preciso. Porque o mais importante é ensiná-las quem está regendo o
texto.
Segue mais um aviso: é necessário fazê-lo
rápido. Arrisca-te com a ponta da caneta tão logo as aviste, pois estas
danadas têm por dom fugir o mais depressa que podem. E elas podem muito.
Quando
uma morte acontece, a vida toda fica por alguns segundos em suspenso. Segundos
que podem durar uma vida ou uma eternidade. Durante esse momento, você fica
preso em algum lugar entre o presente e o passado, sem noção alguma da dimensão
espaço-tempo.
Quando
uma morte acontece, a casa inteira fica triste e tudo o que se faz de diferente
é apenas um lapso dentro da tristeza contínua.
Quando
uma morte acontece, de repente seus melhores amigos se tornam as pessoas mais
incompreensíveis do mundo. De repente, começam a falar sobre assuntos
completamente irrelevantes. E as outras pessoas demonstram uma extrema
insensibilidade, por estarem ocupadas com suas próprias vidas. Quando uma morte acontece, é absolutamente ineficaz tentar executar tarefas. Pois todas estas mostram desde o início sua ausência de sentido primordial.
Quando
uma morte acontece, falar é algo desnecessário, pois isto tudo contém uma
simbologia ampla e própria. E é um absurdo que o mundo exija maior comunicação.
Quando
uma morte acontece, as mulheres belas não saem às ruas, as pessoas em geral
evitam olhar em seus olhos e o dia se acinzenta e chove em sinal de respeito.
A
morte expõe violentamente as entranhas do fenômeno de estar vivo. Grita
estridentemente a fragilidade em ser humano. Ela desterritorializa toda a
ontologia do saber e faz jorrar questionamentos tão juvenis quanto hamletianos.
A
morte choca apesar de sua naturalidade.
É
bastante provável que a morte seja o segundo acontecimento mais comum que
exista na vida. Perdendo em números somente para o nascimento, estima-se.
Na
última semana, ocorreram aproximadamente 15.071 mortes em todo o mundo, 1.600
em conflitos na síria, cerca de 84 palestinos morreram em ataques israelitas na faixa de
Gaza, houveram em torno de 63 mortes na onda de crimes em São Paulo.
Que
tal estar no estado das coisas como elas estão hoje? E, então, como vai você
exatamente agora? Difícil ter esta noção assim tão clara hein?
Pois
é, eis que de repente, meio assim sem querer, no intermédio de alguma atividade
rotineira real e absolutamente sem importância, você para um segundo com a
força desse pensamento: “mas o que é que eu tou fazendo da minha vida agora?”
“Putz!
Meu”. Você se auto-retruca. “Puta pergunta difícil. Não tinha outra coisa pra
pensar agora não?” Sim, dá para achar engraçado. E dá uma preguiça de responder
também...
Mas
aí você realmente “pára para pensar” e percebe, meio assim sem querer, que está
bem! Que no final das contas, subtraindo a soma do quadrado da sua recusa, que
é igual à soma do quadrado de seus desesperos, e repassando a multiplicação da
vontade de conhecer as incógnitas para o lado divisório de responsabilidades,
você sabe que o “x” da questão é o ângulo pelo qual se olha.
E,
você está até indo bem. Olha só que coisa! Daí você tem uma sensação clara e
quase corpórea de que essas pressões todas não são suas, de que essa redoma de
preocupações urgentes não tem urgência factual alguma. Daí você relaxa e faz alguma
coisa que gosta. Nossa, como isso é raro na cultura
anglo-latino-árabe-oriental-saxônica contemporânea!
Tava
andando sem querer, num dia desses qualquer, por entre aquelas ruas estreitas e
mal iluminadas lá do centro. Foi aí que, de relance, dobrando a esquina
próxima, eu pensei ter te visto (e depois desse tipo de coisa é que eu sempre
me pergunto: por que eu penso?). Fui andando mais depressa pra ver se te
alcançava, nem sei ao certo se realmente queria falar contigo, mas ao menos à
essa altura você seria um rosto conhecido. Dobrei na Augusta com a D. Antônia e
nessa esquina de mulheres dois homens mondrongos e carrancudos me aguardavam.
Um deles até falou comigo:
_
Que cê acha que tá fazendo meu?!
_
Nada... não tô fazendo nada. Desculpa aí.
_
Fica longe da mina, filho da puta! Ela é minha, caralho! Tu não tem dinheiro
pra pagar por ela!
_
Mas eu não...
Não
consegui terminar a frase. O outro cara saiu logo interrompendo com um direto
de esquerda no estômago. Tentei revidar com um direto de direita, mas não fui
bem sucedido. Nunca tive inteligência corporal pra luta – é o que dá ser
civilizado desde muito cedo. Então, veio o cruzado de esquerda (acho que o cara
era canhoto), o gancho de direita bem no queixo e um menor na altura do fígado.
Há tempos não lembrava que tinham tantos órgãos assim espalhados pelo meu
corpo.
O
“moço educado” disse que você me percebeu te seguindo. Porra! Como cê fez isso
comigo?!
Eu
já tava tão fodido que nem quis saber e disse que não tinha importância, que
não tinha dinheiro e não precisava pagar, pois sabia como fazer você gemer
gostosinho e de graça. Foi nessa hora que ele me deu aquele chute no saco. Não
sei se o grito te deixou com pena ou apetite, mas vi um vulto de mulher
aparecer no fim da rua logo atrás dos caras. O “moço refinado” te chamou pra confirmar
se tinham espancado o cara certo.
O barulho do salto alto na calçada era inesquecível,
mas aquele perfume tinha algo diferente. “É esse aí, Vanessa?”. Ainda
consegui dar uma risada sem fazer doer muito o corpo. Afastei um pouco pra conseguir
olhar melhor seu rosto e, adivinha? Não era você. Desde então estou dando um
tempo da cerveja.
“Preciso
me ocupar das pessoas reais.” Preciso me ocupar delas, preencher-me de
realidades. De pessoas reais com histórias reais, problemas reais, com
sofrimentos e angústias. “Preciso me ocupar de pessoas reais”. De pessoas possíveis,
de pessoas tangíveis, pessoas táteis, de pessoas palpáveis. Para às quais possa
dar as mãos em segurança; pessoas de carne, osso, sorriso e serenidade. Preciso
de perseverança.
Este
é um de meus ‘mantras’ mais antigos, que possui pontos muito específicos de
surgimento e continuidade. Porém, ainda não aprendi totalmente com ele- pudera,
eu sou extremamente suscetível-, por isto ele permanece, por isso ele é um
mantra. É necessário fazê-lo ressoar incessante e incansavelmente, a fim de
fazê-lo penetrar em minha carne em algum momento futuro. Mas enquanto este não
se acopla a mim e meus tecidos, é necessário que possa ressoar em meus
pensamentos. Em todos os momentos e em todos os sentidos.
Existe
um principal benefício: manter-me alerta. Não como uma vigilância tensa e
repreensiva, mas como uma vigilância pacífica e amigável que faz lembrar a mim
mesma tudo o que já vivi e que, de certa forma, já sei. Contudo, ainda assim é preciso continuar tendo sempre em mente como um mantra: contínuo, ressoante,
repetitivo; porém, leve, sábio e harmônico.
Estava pensando sobre aquilo que
preciso, sobre aquilo que eu realmente preciso se algum dia pensar em viver um
pouco mais de tempo. Estava pensando... sobre aquilo que é o mínimo possível
para que eu consiga seguir em frente e me manter em pé. Como acredito que a
vida por si só já é complicada o suficiente para ficar complicando ainda mais;
como tenho a constante preocupação e vigilância em ter em mente que eu não sou
para sempre; e, além disto, como estas duas noções conjugadas me fazem descrer
e desistir da lógica de acúmulo de bens capitalista, decidi pensar sobre o meu
mínimo necessário. Não sei para daqui a quanto tempo este plano deve ser
traçado, mas espero simplesmente daqui a algum tempo deitar a cabeça no
travesseiro e ter a honradez de possuir ao menos isto.
Poderia
dizer que passei horas infindáveis de meus dias debruçada sobre esta
problemática, mas, na verdade, não demorei mais que alguns singelos minutos
para chegar a esta minimalista conclusão: eu só preciso de um quarto e uma
varanda. Um quarto para ser somente meu, para ser eu e para ser só. E uma
varanda para ser dos outros, para me expandir e para entrar em comunhão. Como
um pêndulo eu me alternaria entre o fundo solitário dos lençóis de minha cama e
o abraço esplêndido em direção ao céu, quase caindo na multidão.
Pode
parecer loucura unir dois extremos de maneira tão próxima assim, mas acaso eu
afirmei em algum momento não ser louca? Esta “geografia sintética” seria a
própria tradução da loucura imanente à vida. Acredito que não precisaria de
nada além disso. Se quisesse me isolar por querer ficar á sós comigo ou por
estar enraivecida com os outros, teria este meu quarto, este meu canto. Poderia
fazer dele o que quisesse: enchê-lo de cacarecos e quinquilharias, de pessoas,
de pensamentos, abarrotá-lo de poluição visual e sonora; ou esvaziá-lo de tudo,
deixá-lo totalmente branco, totalmente insípido e casto.
Em
outros momentos, quando pensar fosse difícil e se manter firme fosse doloroso
ao corpo, poderia simplesmente me deixar estar. Iria à varandinha olhar a
avenida e ver que existem outros além de mim. Poderia me deixar ser
contemplativo e estético, extraordinário e divino, cosmopolita e pagão.
Acredito que seria reconfortante perceber não estar sozinho e passar alguns
bons momentos “zen-pensamentos”. E, para quando me suportar fosse incrivelmente
insuportável, sempre haveria o mundo. Sempre haveria uma infinidade de outros
possíveis lugares e pessoas a descobrir.
Retornando
ao ponto de partida: se meus sonhos caírem, se minhas ilusões dissiparem-se, se
minhas convicções transfigurarem; se após várias voltas não me restar nada
disto, que possa ao menos manter nesta vida uma varanda e um quarto.
Então é isso. Agora eu vou ficar aqui bebendo porque eu
não sei se eu sou mais santa ou se eu sou mais puta, se eu sou mais eu ou se
sou qualquer outra coisa. Se eu sou sim o que eu queria ser ou o que todo mundo
no fundo esperava que eu fosse. Acontece que eu só sei escrever assim, é só
assim que minhas letras acontecem. É só assim que consigo não fazer disto um
momento vão entre o que penso o que sinto e o que escrevo. Falando muito sério:
vocês realmente pensam que me admito enquanto frustrado? Acho que não. É por
isso que não o faço.
Mas
desde sempre isso tende a não dizer absolutamente nada. São apenas chamas mal
rabiscadas, letras em papel mal tingido escritas de forma descompassante por um
estranho que a grande maioria não faz questão alguma em conhecer. Nem eu
consigo defini-los. Acharia melhor parar com isso. Mas acontece do cigarro ser
bom. Ele é um bom amigo. Ele me faz querer continuar com tudo enquanto ele
ainda existe. Encontramo-nos e acontece de não querer escrever e parar. É só
por causa dele que eu continuo.
Na
verdade, eu acho que é só isso. Eu só precisava de um cigarro solitário. Porque
me mostra só como eu sou. Implicando num eu explodindo. Acho que até me amei
depois de um cigarro solitário. Eu não preciso de muito além disso. É só o que
eu preciso, é só o que eu quero.
Exato.
Isso dói, isso agride, isso fere; não há muito além daquilo que todos já
conhecem. Mas houve um tempo em que “eu acreditava que escrever era um prazer”.
Na verdade, este texto poderia
muito bem se chamar “De como eu estou ficando velha, ranzinza e sem saco”, mas
acontece que ficaria muito extenso para um título e eu estou meio sem saco para
grandes coisas. Hoje estou preferindo muito mais a pequeneza dos curtos,
efêmeros e bons momentos entre amigos, realizando pequenos programas com um
pequeno número de pessoas, em locais pequenos onde eu possa falar em tom baixo
todas as minhas loucuras amplamente conhecidas por meus melhores amigos (que
não são de pouca data).
Na verdade,
este texto também foi pensado para ser escrito em tom geral, preferencialmente
na terceira pessoa, mas acontece que eu também ando meio sem saco para inventar
outras pessoas, então escrevo como eu mesma. Escrevo para falar um pouco de
como eu sinto que estou me tornando agora. E, sinceramente, não sei como as
pessoas me aguentam. Afinal, estou fazendo o que eu quero (e isto é uma
experiência surpreendente, arriscada e fantástica!).
Sim,
eu estou ficando velha e acho isso muito bom. Existe um ditado que fala sobre a
liberdade dos que tem muita idade. Eu ainda não tenho um quarto de século e já
me sinto um pouco como uma anciã, cansada demais para não se deixar ser livre.
Estou cada vez mais desbocada, mais abusada, sem-noção e ranzinza. Estou cada
vez mais 8 ou 80, cada vez mais impulsiva (os gregos falavam sobre a virtude da
mediana, que isto seria o segredo para o bom viver, mas não sei não, acho que
virtude nunca foi o meu forte). E o pior, ou melhor, de tudo isso é que eu não
tenho vontade alguma em parar de ser assim. Não consigo mais tolerar a
falsidade, hipocrisia, joguinhos mesquinhos de poder e sedução, adolescentes,
discursos vazios de conteúdo e imagens vazias de discurso. Sim, podem me chamar
de velha, mas hoje tudo parece tedioso, sempre mais do mesmo, sempre repetido,
sempre enfadonhamente igual.
Falando
sobre música, eu até gosto dos ares das novidades “alternativas”, mas mesmo
estas, após algum tempo, não parecem nada mais que uma simples recolocação de
tudo o que já foi feito antes em uma prateleira com etiqueta de “XXI”. Enche o
saco depois de um certo tempo escutando.
Não
tenho mais saco para grandes defesas ideológicas. Não consigo defender nada à
ferro e fogo, simplesmente porque não sei se existe algo que mereça isso. Todas
as ideologias são falhas por princípio, então eu simplesmente me resigno a
defender a minha nos momentos que achar que devo. Ou então não. Não defendo nada
e deixo algum idiota por aí à solta falando idiotices à queima-roupa, porque
estou sem saco para falar com idiotas. Pois, invariavelmente, isto leva a uma
sinceridade ácida de minha parte, que leva a palavrões e elevação no tom de voz
da outra parte, que me leva a fazer o mesmo; tudo isso é um grande dispêndio de
energia. E eu já não tenho tanta energia assim para ficar desperdiçando.
Não tenho
mais saco para grandiosas empreitadas e reviravoltas mirabolantes. Estou
valorizando bem mais o trabalho contínuo e cuidadoso do cotidiano, da rotina,
da disciplina, como na montagem de um quebra-cabeças, estou começando a
conhecer seus frutos e percebo que eles são mais doces e maduros. Vale à pena
não arrancá-los do pé antes da hora. Sintomas da velhice? Não aguento mais
ficar até de manhã na balada. Fico de ressaca uns dois dias seguidos se exagero
na bebida e só falto morrer no dia seguinte. Isso faz com que me controle para
beber menos (tentar, pelo menos). Estou gostando cada vez mais de ficar em casa
e com preguiça de sair.
Ando
sem saco para toda essa trama nova de conhecer pessoas e ter que se acostumar
com elas (coisa que eu estou tendo de fazer já que boa parte dos meus
“agarráveis” está distante. Estou tendo de me agarrar em mim).E mesmo quando encontro
pessoas legais e afinidades, ando sem saco para fazer amizades, ando sem saco
para investir em novas relações. Todas as pessoas que eu não conheço me parecem
tão iguais! Aí você diz: “Claro, você não às conhece!”. Porém, não estou
falando de simplesmente ver, mas de
ter um contato inicial, umas conversas. Não estou com paciência para conversar
coisas que já não tenha conversado com pessoas que não conheço e para as quais
eu tenha de me explicar. Eu odeio me explicar.
Mas...
um momento, antes que você pense que eu esteja “semi-depressiva” (não que eu
descarte totalmente esta hipótese), vale a ressalva de que tudo isto é muito
bom. É verdade, acredite. Pois todas estas negações vão no sentido de uma
afirmação que é maior, a minha afirmação. Tá, aí essa é a hora em que você diz:
“Fala sério! Eu pensei que você estivesse ficando velha e você vem e me diz que
tá na fase da auto-afirmação?!”. Tudo bem, eu concordo com a objeção. Mas
acontece que é algo de um tipo diferente, uma afirmação tácita. Sem gritos, sem
alarde, que não tem certezas absolutas e nem quer “provar pra todo mundo”.
Apenas decidi chutar o balde cheio de coisas que não mais quero e que já não me
pertencem. Não se trata mais de enfrentar de peito aberto o que me desagrada,
mas de desviar o caminho e procurar me ocupar de estratégias criativas na
direção daquilo que realmente possa valer o esforço da minha energia
declinante.Não é o tipo de atitude “o mundo que
se foda”, mas “se o mundo me foder que eu pelo menos me foda feliz”. Porque,
sim, embora possa até não parecer, acontece que este é um texto feliz.
A
parte engraçada é que isto ocorre de um jeito bem meu, bem próprio. Algo como a
seguinte cena: uma pessoa de uma hierarquia supostamente superior à minha me
fala aos berros coisas que eu não tenho obrigação alguma de escutar; eu, em
contrapartida, digo-lhe muito calmamente e articulando muito bem as palavras
para que não reste dúvida: “Vai-te-fo-der-três-mil-ve-zes”. Pronto: simples,
rápido e indolor. A pessoa se cala sem saber o que responder e, o principal, eu
não discuti. No final das contas, a grande questão é: eu não consigo mais me
esforçar para agradar quem quer que seja_ Deve ser por isso também que faz
tempo que eu não pego ninguém, mas deixa pra lá, estas são outras questões.
Atualmente, estou na seguinte linha: se gostarem de mim, ótimo; se não gostarem,
ótimo também. Certo, nesse momento você retruca: “Mas desse jeito você vai
ficar sozinha, você está se isolando do mundo”. Paciência, eu não tenho mais
saco para fingir ser o que eu não sou. E não faço mais questão de ser repleta
de amigos, estes eu gosto de manter poucos e bons. Por isso, dane-se, eu não
escrevi este texto para você.
Onde
tudo isso vai me levar? Resposta: Eu não faço a menor ideia! Talvez eu acabe me
dando muito mal, sinceramente, acho bem provável que isso aconteça. Ou não, vai
saber. Só sei que estou gostando muito de estar assim. E só escrevi esse texto
porque sei que assim: velha, ranzinza e sem saco; somente os meus melhores
amigos me aturariam.
*P.S.: Segue musiquinha com temática relacionada para acompanhar(esta sim, explicitamente feliz!).
Sinto
saudade de escrever, muita saudade mesmo, pois este é um bom movimento, um bom
exercício. Um exercício de mim, do que penso e do que passo. Estava pensando em
ser menos metódica, em me deixar levar mais nessas publicações, pois certamente
escrevo numa frequência bem maior em relação a qual publico. Acontece que ainda
paira em mim um pouco daquele espírito de “escrita fina“, de escrita bem
conjugada, bem regida e bem concordada; que acaba por se tornar uma escrita
mais engessada também. Estimo estas coisas, mas acontece que existem diferenças
fundamentais entre estes textos e o que gostaria que meus amigos soubessem de
mim. Vou retomar um pouco a ideia original de um blog, o de uma escrita de si.
Este será um diário de acesso livre, porém com algum rigor e imaginação
literária.
É, não é para mim. Afinal, isto não poderia dar certo, aliás, isso só poderia não dar certo. Mas o importante dessa vez não é o desfecho, esse foi sempre o mais claramente delineado que já existiu, o acontecimento diferente foi a ausência de tristeza. Foi tão certo que não houve surpresa, que não houve choro nem raiva nem traição. A consideração, o respeito e o cuidado com que foi feito foram tão destacados que não restou espaço para outros tipos de direcionamentos desfavoráveis. Puseram-se os fatos de maneira tão harmonicamente carinhosa que só me restou dizer: “tudo bem, seja feliz”. Infelizmente, não foi comigo, não desta vez, não, de novo.
C’est l avie... você tomba, bate, chora,levanta, sorri... da alguns passos... tomba de novo; acontece nas melhores famílias... e nas piores também.
“Às vezes ele dura, às vezes, ao contrário, ele fere”. Nunca vi uma definição melhor para essas coisas de amor, ou disso que assim chamamos. Nunca havia visto nada tão certo. Às vezes ele dura, sim, e é muito bonito quando isso acontece. Não se trata exatamente do tipo físico, do status, nível de renda ou aspectos exteriormente encantadores. Trata-se de algo vivido entre dois seres humanos, algo vivido de verdade, duas pessoas que se mostram (algo tão raro entre este tipo de ser) e que dada a incompatibilidade estatística de algo neste nível acontecer dentro de um espaço temporal inferior a... muito tempo, deve ser sim respeitado. Não acontece todo dia, é um tipo de sentimento merecedor de respeito e reverência.
Quando não dura, inevitavelmente, fere. Pensando assim isto parece mesmo ser loucura. Essa história de se apaixonar e de amar alguém. Se for realmente parar para pensar é algo absurdo. Como podemos nos arriscar neste tipo de relação que tem em sua probabilidade uma imensa porcentagem de fracasso? Que espécie de idiota se arriscaria nisto que obviamente irá feri-lo? Mas aí é que está: isso não é calculado. Lembra-me muito uma caixinha de surpresas, pior, um jogo de azar. Faz-me ver o quanto isso é mesmo uma grande sorte: conseguir achar alguém de quem você realmente goste, que realmente goste de você, com quem você esteja disposto a se envolver e vice-e-versa; e além de tudo isso, que esse envolvimento seja harmonioso. Isso é tão pouco provável!
Acho que só procuramos isso porque não nos damos conta que se trata de uma missão impossível. Eu não sei o que nos move. Tentando olhar isso de uma maneira afastada, é loucura. Eu não sei por que nós continuamos fazendo isso. Parece uma busca do tesouro perdido, todos correndo atrás, todos buscando algo que a grande maioria nem sabe o que é e que provavelmente jamais saberá. Mas todos correm, todos vão atrás. Por quê? Eu realmente não sei. Acho que somos loucos.
Isso é mesmo uma grande sorte, sim, uma grande sorte. Mas se é tão impossível, por que tentar então? O quê nos leva a correr atrás disso? O quê nos leva a querer tanto uma outra pessoa? É tão absurdo! Corremos todos atrás de um longínquo feixe de luz que desconhecemos em sua maioria. Corremos atrás do impossível e do improvável... na esperança de que algum dia em algum lugar alguém possa provar que é exatamente o contrário.
Ferimentos doem. Emoções passam. Crianças choram. Histéricas gritam. A lama suja. Corruptos roubam. Todo mundo cresce. Todo mundo muda. Todo mundo morre. O orgânico apodrece. O tempo passa. Desastres acontecem. Animais atacam. Tragédias são trágicas e amores serão sempre amáveis. Invejosos querem o que é seu. Egoístas não dividem nada com ninguém. Algumas pessoas realmente não se importam. ”O pra sempre sempre acaba”. Você vai fazer o que disse que nunca iria. Seus planos não darão todos certos. Você vai ficar velho. Nada será exatamente como é hoje.
Tudo que sobe também desce. Ao se arriscar você, de fato, corre um risco. Ao não se arriscar também. ”O sol realmente queima se ficar exposto por muito tempo”. A discriminação existe. A diversidade é um fato. A história é construída. O principal não são os objetos em si. Nada nasce do nada. Ninguém é totalmente mau ou bom. O maniqueísmo é burro. A mocinha sempre morre no final dos melhores filmes. Não há mal que sempre dure nem alegria que nunca acabe. O capitalismo jamais garantirá emprego pleno, essa é uma das bases sobre as quais ele se ergue.Eu também minto.
Algumas pessoas falam mal de você. Você também fala mal de algumas outras. Um dia você brocha. Outro dia você dá o troco. Pode esperar, ela não vai te ligar amanhã. Você também vai deixar alguém esperando. Suas vitórias não serão todas recompensadas. Você vai morrer sonhando. Depois de um certo tempo quase todos já carregam algum machucado. O primeiro não será o único amor da sua vida. Todas as pessoas são diferentes e você não vai se dar bem com todas elas.
Mas vem cá... que raios você estava esperando que acontecesse?! O óbvio não é óbvio por acaso. Certas coisas nessa vida simplesmente são, e não há nada que você possa fazer para que sejam o contrário. Quanto às consequências delas? Bem... quanto a isso você pode escolher fazer alguma coisa. O máximo que pode acontecer é dar tudo errado, mas você nunca vai ter garantias de que isso não vá acontecer mesmo. Então é isso. Vai lá e segue em frente. Não há porque ter medo.
Quando esses olhares se cruzam e se interceptam, não sei mais o que pode ocorrer. Olhares transeuntes que por um descuido do destino_ mero acaso ou nem tanto_ se raspam, se tocam em um ponto milimétrico. Mas que ficam, que fixam, e fecham.
O que poderia ser mais que este olhar? O que poderia estar mais adiante desta cabeleira? Desta fachada de se guardar? Eu vejo isto e já crio uma história. Lembro de lugares, afetos, beijos e outras coisas que sequer existem em minha memória.
Eu sou um intacto. Sou um grão no meio do mundo, no meio de uma tempestade, que apesar disso não cansa em pensar que algum dia vai esbarrar com outro grão de aspectos iguais.
Vejo um rosto. E já sei de seu destino e de seu passado, sei de ti e de tudo. E, em verdade, não sei de nada. Gosto apenas de criar, de cogitar possíveis possibilidades, formular hipóteses e então desistir.
Como uma brincadeira, como uma bobagem, como um encanto... como num conto.
Sim... eu não sei. Afinal de contas, acho que eu não sei. Essas possibilidades começam a ventilar em minha cabeça e acho um pouco estranho que isso aconteça agora. Acho que, enfim, alcancei a tal da maturidade, consigo me enxergar e olhar em volta, e ver que conexões e similaridades existem entre uma coisa e outra. Não, não sou mais apenas aquela criança birrenta que diz: ”Não vou por aí!”. Agora tenho um querer mais definido. Parece tão simples! Não sei porque demorei tanto tempo para admitir isso. Estou pronta. Estou pronta para ser eu, para me fazer livre. Finalmente me vejo planejando meu futuro, não apenas pelo plano em si, pela apreensão metódica do devir, mas pelo fato de ter estes planos direcionados por algo que sou eu, que realmente me satisfaz e que me faz feliz.
Sinto que tenho que agarrar as possibilidades_ e criá-las também. Sinto o mundo como receptivo a mim e como se a única coisa que tivesse que fazer fosse me mostrar. Vislumbro um depois, um depois que não é apenas calcado em sonhos_ sim, é constituído também por eles_, mas que também tem os pés na realidade. Olhar em direção aos céus com os pés fincados na terra.
Eu poderia muito bem me transpor diante dos olhos de todos numa espécie de lupa ampliadora de mim, ou então passar o que resta de meus dias a falar sem parar sobre o que sou e como me sinto. Mas não adianta, por mais que quisesse ter um raio x de minha alma e de meu estado de espírito, por mais compreensíveis que sejam meus amigos e por mais desinibida que seja minha fala... existem coisas que só eu e meu travesseiro sabemos. Algumas delas são por vergonha, mas acredito que a maioria seja por orgulho. Seria demais para meu orgulho me ver despojada dele diante de outrem. Seria por demais desarticulador de mim me ver em carne crua na frente de quem quer que fosse. Quando isto ocorre, em geral, a ferida já criou um primeiro cascão.
Não, não sou de esconder sentimentos. Ao contrário, gosto de expressá-los, mas, por mais verdadeira e sincera que seja: o que realmente me toca, o que me mostra e mostra minhas profundas fraquezas, isto fica sempre muito bem escondido por trás da exposição de tantos outros sentimentos. Eu me escondo, eu uso uma máscara. E é somente em poucos momentos que deixo alguém ver minha verdadeira face. E isto sempre de forma milimetricamente calculada: o dia, o lugar, a hora, o local e, principalmente, a pessoa. Mas mesmo quando falo de mim com tristeza, não sou jamais o último da tristeza que sinto ou posso ser, é uma tristeza dentro dos parâmetros que os outros conhecem de mim. Pode ser que tenha uma autoestima bastante ferida, mas isto jamais será revelado. Ousadia, irreverência, bom-humor, insurgência, articulação: todas grandes alegorias categóricas.
Coisas que só eu e meu travesseiro sabemos? Que eu choro. Que eu sou uma boba, uma criança que se afeta com as coisas mais pequenas, com o mínimo de frustração. Ninguém irá saber, mas eu sei que encharquei o travesseiro com lágrimas. Ninguém irá notar, mas eu e ele sabemos que passei noites inteiras sem dormir por não aguentar a expectativa de um mínimo encontro. Jamais perguntarão, mas sabemos que formulei em meus sonhos as mais delirantes fantasias e as mais ilusórias realidades.
Aquilo que todos pensam que sabem, que todos acham que viram a real face... só eu e ele sabemos que é exatamente o contrário. Os sentimentos mais feios e repreensíveis por esta moralzinha puritana de merda, essas coisas que ‘não se deve dizer’, isto eu conto a ele antes de dormir. E ele gosta, gosta muito, meu travesseiro é um sádico, um libertino, tudo o que há de pior, pois sendo assim nunca me sentirei mal diante dele. Ele aceita tudo, nada lhe assusta, nada recrimina, tudo incita. Pena ser ele o único a saber, não sei se seria aceita se fosse o que realmente sou diante de outros que não sejam... meu esplêndido travesseiro.